História do Gonçalo

28 de maio de 2007

O Gonçalo nasceu no dia 17 de Setembro de 2003, após 9 meses de uma gravidez perfeitamente normal. O choque foi total quando, por mero acaso, soubemos, durante a primeira semana de vida que sofria de uma grave doença renal, que mais cedo ou mais tarde implicaria a diálise e/ou transplante. A doença foi detectada no seguimento de umas análises ao sangue para despistagem de uma possível infecção que estaria a surgir na pele. Foram feitos mais alguns exames complementares e o diagnóstico foi Insuficiência Renal Crónica (IRC) congénita por displasia renal bilateral (rins mal formados). Quis o destino que só o soubéssemos nestas circunstâncias e, por um lado, ainda bem, já que pudemos tratar desde logo a IRC e evitar a diálise durante algum tempo. Este momento, que jamais esqueceremos, foi como se caísse uma montanha sobre nós. Tínhamos entrado no hospital com um bebé supostamente saudável e, de repente, um diagnóstico tão aterrador. Um turbilhão de sentimentos apoderava-se de nós. O medo do futuro, a angústia, o desespero, desilusão, tanta incerteza…

A doença não tardou muito em manifestar-se. Começou pela falta de apetite (não querer mamar), os vómitos, que ao início pensava serem aqueles simples bolçar dos bebés, as disfunções electrolíticas, etc. Começou desde então a tomar medicamentos para corrigir estas disfunções, bem como suplementos nutricionais para compensar a falta de apetite, os quais eram misturados com o leite.

Desde o dia em que nasceu que posso afirmar com muita certeza (pelo menos até ao transplante), que foram poucos os dias de vida em que o Gonçalo não tivesse vomitado vezes sem conta, mas nós, com mais ou menos paciência, nunca desistimos… Sabíamos que tínhamos de fazer o possível e o impossível para evitar que se concretizasse a ameaça da sonda nasogástrica para o alimentar, e que pairava no ar desde que ele nasceu. O apetite… Nunca soubemos o significado dessa palavra com o nosso filho. Tínhamos de o alimentar quase à força, não havia nada que gostasse a não ser água. Enquanto mãe, um dos meus maiores desejos sempre foi amamentar e foi extremamente difícil aceitar que o meu filho até o meu leite rejeitava. Mas não desisti, passei os meses que me foram possíveis a extrair o leite com uma bomba e a dar-lhe sempre como prioridade. Depois, haviam os medicamentos a várias horas, os suplementos, mais tarde as injecções da Eritropoietina, etc. Conseguimos evitar a diálise até aos 15 meses de idade, quando de repente, o Gonçalo começou a rejeitar completamente a comida, apenas bebia água e pouco mais. Estivemos assim mais de uma semana. Até que chegou o inevitável, a diálise. Ainda hoje me lembro desse momento como sendo dos piores momentos da minha vida… Confesso que me custou mais ouvir isso (talvez porque nesta altura já estava suficientemente informada para saber aquilo que iríamos passar), do que ouvir, quando lhe foi diagnosticada a IRC, que mais cedo ou mais tarde a solução para o seu problema passaria pela Diálise e Transplante. No fundo, na fase inicial havia sempre a esperança, a esperança de que a natureza eventualmente se encarregaria de corrigir aquilo que na gestação tinha corrido mal.

No dia 7 de Fevereiro de 2005 foi colocado o cateter de Diálise Peritoneal. Felizmente tudo correu bem e foi possível avançar com este tipo de diálise. Tive formação durante sensivelmente uma semana para aprender a manusear todo o equipamento e, aos poucos, a nossa casa tornava-se num mini-hospital. Eram as máscaras, os líquidos, os cuidados extremos com a higiene ao preparar a diálise, os pensos, etc. Os resultados foram tardando a chegar, o apetite não melhorou e tivemos de fazer outra opção, de igual modo muito difícil, que foi a colocação da sonda nasogástrica (em Março de 2005). Hoje, por muito que me custasse vê-lo naquela situação, reconheço que foi a melhor decisão que tomámos. Passado pouco tempo, iniciamos a alimentação entérica nocturna, em que, através de uma bomba de perfusão, é administrado leite (ou outro tipo de alimentação líquida) em quantidades muito reduzidas, controlado pela máquina. Esta alimentação permitia-lhe ingerir calorias adicionais, que de outra forma não conseguiria. À noite, tínhamos de o ligar à máquina da diálise e, simultaneamente, à bomba de alimentação, pelo que eram fios por todo o lado, alarmes constantes das máquinas, enfim. Aos poucos, nós próprios e ele íamo-nos adaptando à sua nova condição.

Devo dizer que, infelizmente, constatei que o Estado não estava disposto a ajudar estas crianças, que muito precisam de apoio nutricional. Começando pelos suplementos nutricionais, não comparticipados e a um preço acessível a muito poucos, até às próprias bombas de alimentação insuficientes para o número de crianças que delas necessitam. Depois, os próprios sistemas descartáveis, utilizados nas bombas, que tinham de ser mudados a cada 2/3 dias, com cada um a custar cerca de 3 €. O próprio apoio médico nutricional tive de o procurar fora da rede hospitalar pública, já que o do hospital era mais que insuficiente. No entanto, olhando para trás, não me restam dúvidas que, foi sobretudo esta vigilância e seguimento nutricional rigoroso que nos permitiu tê-lo em tão bom estado para a grande cirurgia que esperávamos não tardar. Efectivamente, ele começou a ganhar peso, a crescer melhor, não apresentando grande atraso face a uma criança saudável da sua idade. Essa era a nossa grande motivação, além da esperança que tínhamos na melhor alternativa possível para o seu problema: o transplante. O nosso objectivo foi sempre evitar a diálise e fazer o transplante quando surgisse a necessidade da diálise, mas infelizmente, quando surgiu esta necessidade ele ainda não tinha o peso “mínimo” dos 10 Kgs.

A partir daí o nosso objectivo foi fazer o transplante o mais breve possível e nas melhores condições possíveis. Dado que o melhor rim possível é o de um dador vivo, não tive dúvidas que essa seria a nossa opção, se algum de nós fosse compatível. Iniciei logo que me foi permitido os exames para averiguar da nossa compatibilidade, que se revelaram positivos. O meu marido nem iniciou esses testes uma vez que possuía cálculos renais que o excluíam. Informar era a palavra de ordem e, aos poucos, fomos percebendo que em Portugal não seria possível transplantá-lo com a brevidade que pretendíamos e, por outro lado, que não havia experiência de transplante de dador vivo em crianças de baixo peso. Assim sendo, o Gonçalo foi colocado em lista de espera de cadáver (embora de forma condicional, devido a uma nefrectomia bilateral que era suposto fazer).

Entretanto, surgiu a hipótese de irmos a Madrid, ao Hospital La Paz, que sabíamos ter muita experiência em transplantes, sobretudo com crianças pequenas. E assim foi, ao fim de sensivelmente 5 meses tínhamos a data do transplante: 10 de Maio de 2006. O Gonçalo recuperou de forma incrível, surpreendeu tudo e todos com a sua força. Ao fim de 4 dias eu tive alta e ele ao fim de 9. Felizmente tudo correu maravilhosamente bem e é inexplicável a alegria que sentimos ao vermos o nosso filho começar a comer ao fim de tantos meses pela sua própria boca. Parecia um verdadeiro milagre. Ele recuperou imediatamente o apetite, embora tivesse de usar a sonda por mais três meses, sobretudo por questões de ingestão dos líquidos suficientes para manter uma boa hidratação. Hoje é uma criança com uma vida o mais normal possível, super feliz e bem disposta. Actualmente toma 4 medicamentos por dia e faz análises uma vez por mês. Quanto a mim, sinto-me exactamente igual a quando tinha os meus 2 rins e faria exactamente o mesmo para melhorar a qualidade de vida do meu filho.

Só quem passa pela experiência de ver uma criança com Insuficiência Renal Terminal passar pelo transplante consegue “valorizar”, se é que isso é possível, a melhoria da sua qualidade de vida. Já sabemos que o transplante não é a cura, mas sem dúvida, que é a melhor opção de tratamento possível.

5 comentários:

jesiel ipolito disse...

Oi meu nome é jesiel tenho 35 anos e tenho IRC,fiquei muito motivado com o sucesso do transplante do gonçalo,Deus abençoe vcs,que ele nunca venha sofrer novamente com isto, em nome de Jesus!Um grande abraço.

Anónimo disse...

É por estas e por outras que os produtos de nutrição clinica deviam ser comparticipados. Só não o são porque os nossos governantes são pouco perspicazes e não entendem que é mais simples comparticipar um produto e garantir que o doente de facto o toma, ao revés de poupar na comparticipação e pagar cada vez mais caro os re-internamentos que os doentes sofrem, acrescidos das enormissimas diárias hospitalares e de todos os custos relacionados com a falta de productividade inerente á doença e má nutrição do doente e das familias que os rodeiam.
Há dois sectores fundamentais em que não se pode pensar a 4 anos, a saber: a Saúde e o Ensino.
No caso da Saúde, nunca se pode esperar que seja um sector rentável para o Estado. No dia em que o for, estamos muito mal. Infelizmente, esse dia aproxima-se a uma velocidade preocupante....

Anónimo disse...

ola meu nome marcia.. etenho um filho de 7 anos que tem insuficiençia renal cronica (policistica)
descobrimos a doença dele com 3 anos de vida
.ao seus 7 anos de vida pesa 15 kilo e tem 1,10 de altura
faz dois mes que coloco o 1ª cateter dele mais infelizmente nao fucionou..
refez a cirugia a 15 dia deste tao esta em dialise
estamo sofrendo muitoo
graças a deus o gorverno tem matindo dos os medicamento
temos fé que um dia nos iremos destemunha da mesma forma que vc

Criança e Rim disse...

Olá Márcia,

Sugerimos que participe no nosso fórum em http://pub42.bravenet.com/forum/static/show.php?usernum=3551440163&frmid=42&msgid=0 onde pode partilhar as suas dúvidas e preocupações com outros pais que já passaram pela mesma situação.

Festas Felizes!

Anónimo disse...

Meu nome é Priscila tenho 27 anos e a 5 meses dei a luz a um anjo chamado Raul. Com 8 meses de gestação descobri que meu filho viria ao mundo com um problema renal, ele tinha o rim direito dilatado, com 18 dias de vida veio a 1ª infecção urinária e então a descoberta da tal hidronefrose que até então nunca soube de sua existência, hoje com 5 meses ele já teve 4 infecção todas com internação de aproximadamente 10 dias, o rim direito já não tem funcionamento e ele terá que sofrer uma nefractomia, todos os dias eu meço a febre dele a cada 5 minutos com medo de uma infecção, não vivo em paz, só peço a Deus que meu filho consiga superar tudo isso o mais rápido possível, tá muito dificil, hoje estou aqui para encontrar um conforto, uma palavra amiga, poder discutir esse assunto que pra mim é muito novo. Desde já agradeço.

Priscila
priscilarobles@yahoo.com.br